domingo, 4 de junho de 2017

A ÚLTIMA ROSA DO VERÃO


Eis a última rosa do verão,
deixada só, a florescer;
todos os adoráveis companheiros
murchando acabaram por morrer.
Não há flor sua semelhante
ou um outro botão no roseiral
para reflectir o seu rubor,
trocar um suspiro por outro igual.

Não te abandonarei, ó solitária,
na haste onde definharás!
Se os teus irmãos adormecem,
junto deles também repousarás.
Assim, espalho gentilmente 
tuas pétalas por minha cama,
onde os amigos do jardim
jazem sem aroma ou verde rama.

Em breve seguir-vos-ei,
quando as amizades ruírem
e da cintilante tiara do amor
uma a uma as gemas caírem. 
Quando os corações veros mirrarem
e os amados se perderem no vazio,
oh, quem então quererá habitar
sozinho este mundo sombrio?




Thomas Moore (1779 - 1852) (*)



(Versão de Pedro Belo Clara a partir do original).



(Para acompanhar a sua leitura, uma versão instrumental deste belíssimo tema: https://www.youtube.com/watch?v=Sf7AGXfXqag ).






(*) Thomas Moore foi um proeminente poeta, cantor e letrista irlandês, nascido na cidade de Dublin, no seio de uma família de parca cultura. 
Desde cedo revelaria um aguçado interesse nas artes em geral, chegando mesmo a cultivar ambições em se tornar actor - não obstante o sonho materno de o ver formado em Direito. Contudo, nem todas as artes performativas se afirmariam como o ponto forte de Moore. 
Enquanto estudava Direito em Londres, debatendo-se com graves problemas financeiros, o sucesso bateu-lhe à porta, fruto do seu trabalho como poeta, tradutor, letrista e cantor. O seu Irish Melodies ("Melodias Irlandesas"), publicado entre 1808 e 1834, que consistia num conjunto de canções tradicionais irlandesas às quais Moore anexou um poema, tornou-se imensamente popular. Lentamente foi ficando famoso entre o público em geral, granjeando igualmente uma destacada posição na sociedade londrina da época (chegaria a actuar perante uma jovem Vitória, ainda sem o peso da coroa, à qual deixou escrita uma canção em sua honra).
Moore travou amizade com outros importantes nomes da literatura britânica e mundial, nomeadamente Shelley e Lord Byron. Por este, inclusive, ficaria encarregado de publicar as suas memórias a título póstumo, mas dado o carácter vincadamente honesto das mesmas, e a pressão dos familiares do poeta nobre, decidiu-se por queimar o manuscrito sem nunca revelar o seu conteúdo, o que causaria a fúria dos admiradores de Byron. Posteriormente, editaria um conjunto de cartas e diários do seu falecido amigo, mas a crítica não lhe perdoaria o acto.
Viveria a infelicidade de assistir à morte de todos os seus cinco filhos. Mais tarde, um enfarte reduz-lhe significativamente as capacidades criativas. Falece aos 72 anos de idade, num momento em que já se sabia entregue aos cuidados da esposa. 

O poema hoje aqui partilhado foi retirado do famoso trabalho a que antes se fez referência. Publicado em 1813, assenta-se sobre a melodia que dava pelo nome gaélico de Aislean an Oigfear, isto é, "O sonho de um jovem". Os arranjos, como em outros casos, ficaram ao encargo de Sir John Stevenson (1761 - 1833).
Conta-se que o poema foi inspirado por um certo tipo de rosa oriunda da China, também denominada Old Blush (Rosa Chinensis), o que se torna curioso, ou talvez indicativo da veracidade desta assumpção, pois no poema em inglês o autor insere essa mesma palavra, "Blush" (p.e. "rubor" ou "enruborizar"), num dos seus versos. O presente trabalho terá sido escrito em 1805 no parque de Jenkinstown, em Kilkenny, na Irlanda - quem sabe se num lamento pela morte da última rosa de um verão já esquecido?













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