Quando no sangue tinha dos jovens o ardor,
li sobre esses livres homens ancestrais
que pela Grécia e Roma lutaram sem temor,
trezentos homens e outros três, não mais¹;
então, rezei para que ainda pudesse ver
dos nossos grilhões a libertação,
e a Irlanda, há muito uma província, ser
de novo uma nação! ²
Desde esse tempo, por árduas provações
tal esperança brilhou numa luz distante;
nem pôde o amor, com seus fulgentes clarões,
ofuscar a sóbria cintilação de estrela brilhante;
parecia pairar sobre minha cabeça, observando,
na praça, no campo, no templo de oração;
a sua angelical voz em torno do leito cantando:
de novo uma nação!
Sussurrou, também, que a arca da liberdade
e um serviço nobre e sagrado
seria por sentimentos de obscuridade
e por vãs ou baixas paixões profanado;
mas a mão direita de Deus a Liberdade irá prover,
e um numeroso séquito de divina acção;
os homens honrados devem desta terra fazer
de novo uma nação!
Enquanto ia em homem me tornando,
ajoelhei-me diante de tal chamamento;
e de planos egoístas o espírito fui expurgando,
sem deixar as cruéis paixões ao esquecimento;
assim, espero um dia o meu auxílio dar
- oh, pode tal esperança ser em vão? -,
quando o meu querido país enfim se tornar
de novo uma nação!
Thomas Osborne Davis (1814 - 1845) ³
(Versão de Pedro Belo Clara a partir da composição original).
(A partir deste poema musicaram-se várias versões, fruto da criatividade de diversos artistas. Para si, estimado leitor, seleccionámos a do popular grupo The Dubliners. Desfrute: https://www.youtube.com/watch?v=88-qgHh31bw ).
(1) Estes «trezentos homens e outros três» são, em primeiro lugar, uma referência aos trezentos espartanos que fizeram frente ao imenso exército persa em 480 a.C., durante a batalha de Termópilas, e os restantes três, ligados a Roma, serão provavelmente fruto duma evocação de Públio Horácio Cocles e de mais dois companheiros que, evitando a invasão da cidade por parte dos etruscos, os defrontaram em plena ponte Sublício, ou Aventino. Eventualmente, pois trata-se de uma lenda, a ponte acabaria demolida - apenas uma das diversas ocasiões em que assim se encontrou.
É óbvio que a bravura de tais feitos inspirou o autor a transpor o seu exemplo para a realidade irlandesa de então. Em 1842, por exemplo, saiu um livro denominado "Poemas da Antiga Roma", da autoria de Thomas B. Macaulay, onde se conta um que relata a lenda de Horácio. É muito provável que o nosso poeta tenha lido tal obra, tomando assim conhecimento do sucedido pela primeira vez.
(2) Também nos parece clara a indicação do autor ao referir, de modo constante, o «de novo uma nação», aludindo, portanto, àquilo que a Irlanda era antes da chegada e consequente domínio britânico, governo esse que durou mais de setecentos anos. Recorde-se que a ilha permaneceu livre da influência romana, prosperando sobre as regras tribais e modos de vivência dos celtas, até à sua evangelização por São Patrício. Anos depois, tornou-se num autêntico santuário para diversos monges em busca de silêncio e reclusão.
(3) Apesar da sua breve vida (viria a falecer com apenas trinta anos, vítima de escarlatina), Davis viria a compor um dos mais célebres hinos que existem em favor da independência da Irlanda.
Nascido em Mallow, no Condado de Cork, e privado de uma figura paterna desde um mês de idade, sentiu muito cedo em si o apelo independentista. Apesar de ter um pai galês, a mãe descendia de uma nobre família gaélica. O papel que terá essa herança desempenhado no jovem Davis não poderemos afirmar com clareza. A verdade é que este jovem advogado, com grande talento para a poesia, mas principalmente para reunir pessoas em torno da música, das palavras e daquilo que através de ambas se difundia, participou na fundação do movimento "Young Irland", que aliado a um famoso jornal da época tornou-se, em meados do século XIX, uma das principais vozes a exortar à libertação do jugo inglês, dando assim sólida forma aos primeiros passos do nacionalismo irlandês.
De facto, é isso que este poema-canção faz. Não se estranha, portanto, a sua rápida popularidade desde a edição, em 1844, e mais tarde a elevação quase mítica que o tema experienciou, na longa batalha em favor da independência e, posteriormente, da reunificação do território - ainda não conseguida, acrescente-se. É, por isso, o exemplo perfeito da "Irish Rebel Music", que corresponde sem grande desvio às nossas bem conhecidas canções de intervenção. É curioso constatar, contudo, que ao longo da sua reflexão o poeta instiga os homens honrados e os homens com ligações religiosas a tomarem partido no movimento («numeroso séquito de divina acção»), também certo do seu poder no seio da sociedade irlandesa. É, pois, bastante subtil a sua forma de apelar aos corações de cada um, lançando habilmente as achas para o incêndio que gostaria de ver deflagrar.
Refira-se que a canção surge muito antes da famosa Revolta da Páscoa. Os únicos movimentos do género com relativo impacto haviam surgido ainda antes do nascimento do autor, em 1798 e 1803. Quem sabe o papel, graças à sua notoriedade, que teve em incitar as futuras rebeliões?
Apesar da originalidade dos versos, diga-se que a melodia escolhida sofreu algumas influências de Mozart. A versão portuguesa que se propõe foi leal ao esquema de rima original, apenas se cortou, preservando assim a sua identidade de poema, aquele que seria o refrão desta canção, e que mais não é do que a repetição do último verso de cada oitava, entremeado com a referência da Irlanda ser há muito uma província.
Davis não veria o seu «querido país» independente, mas terá sido um dos principais motivadores de tamanha conquista. Esteja onde estiver, decerto estará com um sorriso no rosto.
LINDO POEMA DO FUNDO DO CORAÇÃO DE THOMAS O. DAVIS, SONHAMOS SONHOS DE DEMOCRACIA E LIBERTAÇÃO EO BRASIL SER PARA TODOS: POBRES, NEGROS E ÍNDIOS SER AINDA UMA IMENSA E JUSTA NAÇÃO.
ResponderEliminarA Utopia de sempre... Quem sabe se um dia não deixará de o ser?
ResponderEliminarO fervor do poeta é bem nítido e notável... Não admira que tanta gente, com o passar do tempo, se tenha unido em torno do poema-canção, exortando ao que ele instiga. Felizmente, no caso da Irlanda, a deseja independência surgiu. Custou 700 anos para nascer, e o processo esteve longe de ser pacífico, mas conseguiram implementá-la.
Muito obrigado pela visita, Lígia.
Beijos.
LINDO POETA COM FERVOR COMPARTILHEI PARA A MINHA SAUDOSA UFSM.
ResponderEliminarMuito obrigado.
EliminarBeijos.