domingo, 31 de outubro de 2021

ESCÓCIA SOBRENATURAL – Episódio 5

 

BRUXAS DISFARÇADAS DE LEBRES

 
 
 
      Um jovem rapaz, na ilha de Lismore¹, havia saído para caçar. Perto de Balnagown Loch², descobriu uma lebre e sem hesitar disparou sobre ela. O animal soltou um grito que não era deste mundo, e só então ao jovem ocorreu o facto de não existirem lebres em Lismore. Cheio de medo, largou a sua espingarda e desatou a correu em direcção a casa.
         No dia seguinte, regressou ao local para resgatar a arma e ouviu dizer que uma certa mulher, tida na vizinhança como bruxa, estava de cama com uma perna partida. Um tempo depois, essa mulher encontrou o rapaz e pregou-lhe uma valente sova. O episódio corroeu-o por dentro, e o rapaz nunca mais se endireitou. Ficava longos tempos a olhar o vazio, cismando. Tornou-se um ocioso, um inútil.
           
***
 
      Um Manxman³, que há alguns anos atrás estava em Tiree⁴, contou a seguinte história.
       Um grupo de homens estava à caça e não conseguia encontrar uma só lebre. Uma senhora idosa, sabendo disto, disse ao seu neto que fosse ao encontro dos senhores e que lhes indicasse o lugar onde poderiam encontrar lebres, pedindo por tal informação meia coroa.  
         O rapaz assim fez: encontrou os homens, recebeu o seu dinheiro e guiou-os ao local que a sua avó havia indicado. Quando encontraram uma lebre, o rapaz de súbito gritou: «Corre, Avó! Corre!». A lebre começou a correr na direcção da casa da velha senhora, mas os cães que caçadores traziam seguiram-na. Contudo, nas traseiras da dita casa perderam o rastro à lebre. A velha senhora foi encontrada lá dentro, tranquilamente sentada à sua lareira.
 
***
 
      Conta-se, em Wigtonshire⁵, que uma lebre foi vista a correr chaminé acima e que uma mulher, suspeita de bruxaria, apareceu com os pés queimados.
 
 
 
 
 

(Editado pela primeira vez por J. G. Campbell, in “Witchtcraft and Second Sight in the Highlands and Islands of Scotland”, 1902.)
 
 
 
 
 
 



(Versão de Pedro Belo Clara a partir da edição de Neil Philip em "Scottish Folktales", Peguin Books, 1995.)












(1) Uma pequena ilha, de pouco mais de 2000 hectares, situada nas Hébridas Interiores, na Escócia. Actualmente alberga menos de 200 habitantes. 


(2) Um lago dessa ilha.


(3) Habitante da Ilha de Man, que se situa no mar da Irlanda, entre a Inglaterra e a Irlanda do Norte.


(4) A ilha mais ocidental das Hébridas Interiores. Nela habitam cerca de 650 pessoas.


(5) Um antigo condado escocês situado na região sudoeste do país. 













(autor desconhecido)


sábado, 16 de outubro de 2021

ESCÓCIA SOBRENATURAL – Episódio 4


Nas colinas de Ross-shire¹, um velho homem, que no seu tempo não fora propriamente gentil, falecera na casa do filho, uma cabana solitária, afastada das restantes casas.

O morto foi colocado numa mesa dum pequeno quarto, e o seu filho pastor, deixando mulher e filhos na cabana, partiu para o vale à procura de pessoas para assistir ao velório e depois ao funeral.

À meia-noite, uma das crianças, que ainda brincava pela casa, espreitou pela fechadura do quarto e gritou: “Mãe, mãe! O avô está a levantar-se!”.

A porta do quarto foi num ápice trancada, e o falecido, apercebendo-se que não a conseguia abrir, começou por arranhar e depois escavar a terra por debaixo da porta, tentando abrir uma passagem para a sua fuga.

As crianças correram para junto da mãe, e em terror escutavam aquele som sinistro. 

Por fim, a cabeça do morto apareceu por debaixo da porta. O cadáver redobrou, então, os seus esforços para escapar, aumentando assim, se possível fosse, o horror da pobre mãe e das suas crianças.

O corpo já havia saído pela metade quando o galo cantou. Subitamente, o morto perdeu as suas forças, caindo inerte na própria cova que abrira.

Desde esse dia nunca mais se conseguiu cobrir totalmente aquele buraco. O chão da casa tinha sempre um declive nesse preciso lugar.







(Narrador anónimo. Editado pela primeira vez por J. G. Campbell, in “Witchtcraft and Second Sight in the Highlands and Islands of Scotland”, 1902.)









(Tradução de Pedro Belo Clara a partir da versão editada por Neil Philip em "Scottish Folktales", Peguin Books, 1995.)










(1) Um antigo condado escocês, cuja capital era Dingwall, uma cidade que actualmente alberga pouco mais que cinco mil habitantes. Situado nas Terras Altas, foi anexado administrativamente às regiões circundantes em 1975, adoptando, como as demais, essa mesma designação.











(Autor desconhecido)