sábado, 22 de dezembro de 2018

Uma bênção celta de Natal


Que sempre haja trabalho para as tuas mãos ocupar,
Que sempre haja em tua bolsa moedas a tilintar,
Que possa o sol sempre em tua janela reluzir,
Que após cada chuva possa um arco-íris surgir,
Que a mão dum amigo esteja sempre à disposição
E possa Deus encher-te de alegria o coração. 




(Anónimo)






(Versão de Pedro Belo Clara a partir de texto em inglês.)










(Para acompanhar a leitura, sugerimos o clássico "Silent Night" interpretado por Enya em gaélico. Festas felizes a todos os leitores deste humilde blogue. 












(Home For Christmas, 
por Thomas Kinkade)




sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

UMA VELHA MULHER DOS CAMINHOS


Oh, ter uma casinha, ser dona
De lareira, banquinho e tudo! Vê-de:
Os torrões amontoados no fogo,
Uma pilha de turfa encostada à parede!

Ter um relógio com pesos e correntes
E o seu pêndulo em dança afinada,
Uma cómoda cheia de loiça cintilante,
a branco e azul e castanho pintada!

Poderia estar ocupada o dia inteiro,
limpando e varrendo lareira e chão,
e arrumando de novo na prateleira
a faiança colorida, minha adoração!

Poderia nela ter sossego de noite,
sozinha diante da minha lareira quente;
com promessa de cama, mas hesitando
em deixar o relógio e a loiça reluzente.

Ai!, fatigada estou de neblina e escuridão,
estradas sem casa ou arbusto na cercania;
estou cansada do brejo e do caminho,
da solidão do silêncio e do vento em agonia!

Então rezo ao Deus nas alturas,
rezo-Lhe eu a toda a hora e instante
por uma casinha, uma casa só minha,
longe da chuva e do vento errante.



Padraic Colum (1881 - 1972) ¹








(Versão adaptada de Pedro Belo Clara a partir do original colectado em "Irish Verse, An Anthology by Bob Blaisdell" - Dover Publications, 2002)









(1) Estamos perante um dos maiores e mais significativos nomes do universo artístico gaélico, uma das figuras de proa do renascimento literário irlandês - ou não tivesse feito parte do grupo que fundou o Teatro Abbey, que contava, como se sabe, com W. B. Yeats, Lady Gregory e A.E., tendo inclusive sido membro da sua primeira direcção.
Nasceu Patrick Columb, no condado de Longford, actual República da Irlanda, na casa onde o seu pai à época trabalhava. Já com onze anos, a família muda-se para perto de Dublin e passa o pequeno Paddy a frequentar a escola local. Forma-se aos dezassete anos e é-lhe oferecido o trabalho de escriturário na companhia nacional dos caminhos-de-ferro, que manterá até aos seus vinte e dois anos de idade. Será neste período que inicia a produção dos seus primeiros escritos e trava conhecimento com autores de proa e indivíduos de grande influência. Além dos já citados, teria em James Joyce um amigo para a vida. 
Decide então alterar o seu nome para a forma gaélica mais aproximada, numa clara afirmação nacionalista, e mergulhando fundo do riquíssimo universo das canções populares irlandesas começa, juntamente com Herbert Hughes, por registar diversas delas pela primeira vez em papel. Quando se decide a lançar um livro em nome próprio começa pelo género que primeiro exerceu, a poesia. Pouco depois inicia a criação das suas peças de teatro. 
Com o passar do tempo e o crescimento da sua produção e talento, Colum funda um jornal que viria a durar pouco tempo, mas tal acto valeu-lhe o conhecimento da futura esposa. Juntos, desenvolveriam esforços significativos em prol da cultura na Irlanda, leccionando e albergando sessões literárias na sua própria casa.
Em 1914 o casal decide visitar os Estados Unidos, desconhecendo completamente a importância de um gesto aparentemente tão insignificante. Na verdade, será nesse novo país que o casal passará a maior parte dos anos de vida que ainda lhes restavam. 
Colum começa a escrever histórias infantis e, aos poucos, aprofunda a sua produção prosaica, que mais tarde também viria a abranger os territórios da biografia. Ao todo, sem contar com as peças de teatro, editará sessenta e um livros. Dando azo a uma grande versatilidade, em 1954 também assina o argumento do filme animado "Hansel e Gretel".
O casal empreendeu diversas viagens pela Europa, chegando até, nos anos 30, a viver em França. Mas os Estados Unidos eram definitivamente a sua casa, mesmo que a velha Irlanda nunca estivesse esquecida, e para lá eventualmente acabaram sempre por retornar. Mary morre em 1957, deixando o esposo só ainda por largos anos, pois somente em 1972 Colum faria a sua última viagem após uma vida recheada de êxitos, prémios e condecorações, contando já com noventa anos de idade. E onde? Nos Estados Unidos, claro está, embora o corpo tenha sido trasladado para a Irlanda natal, onde hoje repousa, em Dublin.










(Pormenor de "Old Lady Walking Through Country Dirt Path",
por Penny Lateulere)