terça-feira, 22 de outubro de 2019

ILHA DE ESPERANÇA, ILHA DE LÁGRIMAS


No primeiro dia de janeiro,
mil oitocentos e noventa e dois era o ano,
abriram o porto da ilha Ellis¹
àqueles que haviam cruzado o oceano. 
E quem primeiro pisou a soleira
dessa ilha de lágrimas e esperança
foi Annie Moore², irlandesa
de apenas quinze anos - uma criança.

      Ilha de esperança, de lágrimas correndo em veios,
      ilha da liberdade, ilha dos receios,
      mas não é a ilha que não mais pisarás,
      essa ilha de fome, de dor constante,
      ilha que não verás mais um instante,
      mas que na lembrança sempre guardarás.

Na sua pequena mala carregava
toda uma história de trabalho e vontade
e os seus sonhos para a vida futura
naquela terra de liberdade.
A coragem serviu de passaporte
quando o velho mundo desvaneceu,
pois não há futuro no passado
quando um coração só quinze anos viveu. 

      Ilha de esperança, de lágrimas correndo em veios,
      ilha da liberdade, ilha dos receios,
      mas não é a ilha que não mais pisarás,
      essa ilha de fome, de dor constante,
      ilha que não verás mais um instante,
      mas que na lembrança sempre guardarás.

Quando encerraram a ilha Ellis
em mil novecentos e quarenta três,
já dezassete milhões de pessoas
em busca de refúgio tiveram a sua vez.
Na primavera, quando por lá passo,
caminho sobre o longo cais
e imagino como, aos quinze anos,
tamanha viagem se conte em ais. 

      Ilha de esperança, de lágrimas correndo em veios,
      ilha da liberdade, ilha dos receios,
      mas não é a ilha que não mais pisarás,
      essa ilha de fome, de dor constante,
      ilha que não verás mais um instante,
      mas que na lembrança sempre guardarás.




Brendan Graham (1945) ³







(Versão de Pedro Belo Clara.)








(Propomos a belíssima versão que o projecto Celtic Woman elaborou do tema. Poderá escutá-la aqui, gravada ao vivo: https://www.youtube.com/watch?v=0zGMfqHciP0 .)







(1) A ilha Ellis, no original "Ellis Island", situa-se na região norte da baía de Nova Iorque, nos Estados Unidos, e tornou-se famosa por ser a porta de entrada do país ao emigrantes que durante décadas procuraram uma vida melhor no chamado "novo mundo". Era, a bem verdade, o primeiro pedaço de terra que pisavam após a longuíssima viagem transatlântica.
Embora a canção refira o ano de 1892 como o da abertura dos portos aos emigrantes, a verdade é que por muitos anos antes dessa data já milhares haviam pela mesma via entrado no novo continente. A diferença, porém, é que esse foi o ano em que pela primeira vez se executou o registo das chegadas. 
Importa também esclarecer que os dados oficiais apontam para um número a rondar os doze milhões de entradas nos EUA até à década de cinquenta do século passado, contrariando os dezassete milhões referidos pelo autor. Ou estaria ele, assim como quem supõe, a contar com os clandestinos que por lá se introduziram sem que as autoridades competentes tomassem registo da ocorrência?


(2) Como a própria canção já esclarece, Annie Moore foi a primeira emigrante a ser registada nos Estados Unidos. Tinha apenas quinze anos quando realizou a árdua travessia e vinha acompanhada pelos seus dois irmãos mais novos, Anthony e Philip (que teriam à volta de dez e sete anos.) Os seus pais haviam partido quatro anos antes e viviam então em Manhattan, Nova Iorque. A família ficou assim finalmente reunida.
Contudo, existe alguma controvérsia nesta história. Tanto neste tema como em outros que fazem referência a Annie, sempre se foca a questão da sua juventude e louva-se o carácter e a determinação da jovem adolescente. No entanto, existem registos que apontam para novos indícios: Annie teria entre dezassete e dezoito anos, sendo os referidos quinze anos a idade do segundo irmão mais velho. A discrepância é significativa e, diga-se, ameaça seriamente alterar toda a essência dessas canções. 
Resta acrescentar que, sendo a família natural do condado de Cork, num dos portos dessa localidade, de seu nome Cobh, ex-Quennstown, ergue-se uma pequena estátua de Annie com os seus dois irmãos (todos aparentemente representados com as idades que os poemas e canções escritos dentro deste tema habitualmente referem.)


(3) Brendan Graham é um popular letrista e romancista irlandês, natural do condado de Tipperary. Associado à sua carreira encontra-se a particularidade de ter escrito a letra de duas canções vencedoras do festival eurovisão da canção, ambas pela sua Irlanda natal: "Rock'n'roll Kids", em 1994, e o belíssimo "The Voice", em 1996 - interpretado pela banda Secret Garden, com quem habitualmente colabora. É igualmente o autor do estrondoso sucesso "You Raise Me Up", um tema que adquiriu fama mundial pela voz de Josh Groban. 
No que toca ao romance, o sucesso conhecido têm-se essencialmente registado nos mercados irlandês e britânico. Nenhuma das suas obras encontra-se actualmente traduzida para português. 












(A estátua erguida em memória de Annie Moore e seus irmãos, 
em Cobh, na Irlanda.)