terça-feira, 24 de abril de 2018

Três poemas de amor da tradição oral galesa


I. A raiz e o ramo


Não vejo razão para assim mostrares
os olhos zangados.
Será porque há outras que olham meus olhos
e gostam de mim?

Devias saber que o vento ao soprar
os ramos agita
mas seja quem for, só com enxada
arranca a raiz.



II. Os passos leves


Não há outra estrela como a minha amada,
flor das flores da minha aldeia.
Sob os seus passos não se move a erva,
nem a rocha treme quando a ave pousa.



III. Jamais o sol


Belo é o sol quando sorri
em plena glória.
Bela é a lua e o seu sorriso
na noite serena.
Mais belo, porém, o riso suave
do meu amor.

Bela é a lua vogando nas ondas.
Belas as estrelas no brilho da noite.
Mas nunca as estrelas, jamais a lua,
terão a beleza, um pouco sequer,
da cor e da luz que moram nos olhos
do meu amor.




Anónimos (Séc. XVII)






(Tradução de José Domingos Morais in "O Imenso Adeus - Poemas Celtas do Amor", Assírio & Alvim, 2004)











(Fleurs de Cerise, de Émile Vernon (1872 - 1919))





domingo, 1 de abril de 2018

PÁSCOA DE 1916 (excerto) (*)


Um sacrifício demasiado longo
Pode em pedra o coração tornar.
Oh, quando será suficiente?
Isso aos Céus compete, a nós nos cabe
Murmurar nome após nome,
Como mãe que seu filho chama
Quando enfim o sono desce
Sobre as pernas que correram loucamente.
Que é isto senão o anoitecer?
Não, não, não é a noite mas a morte;
Foi então inútil a morte?
Que a Inglaterra sua fé guarde
Apesar de quanto se fez e disse.

O sonho deles conhecemos; basta-nos
Saber que sonharam e estão mortos;
E que importa se por excessivo amor
Enlouqueceram até à morte?
Em verso aqui o escrevo - 
MacDonagh e MacBride,
Connolly e Pearse
Agora e seja onde for,
Algures onde impere o verde,
Mudaram, mudaram completamente:
Uma terrível beleza nasceu.




W. B. Yeats (1865 - 1939)






(Tradução de José Agostinho Baptista in "W. B. Yeats - Uma Antologia", Assírio & Alvim, 3ª Edição: Abril de 2010)






(*) Este longo poema de Yeats faz referência à célebre Revolta da Páscoa, ocorrida entre 24 e 30 de abril de 1916, e que se afirmaria como o mais importante movimento independentista ocorrido na Irlanda desde a rebelião de 1798. 
Aproveitando o comprometimento inglês com o maior conflito então vigente, a Iª Guerra Mundial, um proeminente grupo de republicanos, a Irmandade Republicana Irlandesa, reivindicou a independência do território e, em acto final, declarou a instauração da República. O professor e advogado Patrick Pearse comandou os Voluntários Irlandeses e uniu-os ao Exército Civil liderado por James Connolly, o que, em conjunto com outros grupos menores, totalizou uma força de pouco mais de 1200 homens contra 16000 tropas inglesas e 1000 polícias armados.
O conflito durou seis dias e travou-se essencialmente na capital, Dublin. Apesar de algumas escaramuças pouco significantes noutros locais do país, a cidade principal viria a ficar parcialmente destruída no final da contenda. Lamentavelmente, e apesar de consideráveis baixas terem sido infligidas na facção colonizadora, dada a diferença de forças e recursos, as baixas civis foram as mais significativas, muitas delas ocorridas em situações de fogo cruzado ou sob o peso da artilharia inglesa. Do total de vítimas contabilizado, 54% eram civis totalmente desarmados.
A revolta terminou com a rendição incondicional das forças rebeldes, o que dias depois levaria à execução de todos os seus líderes, no poema lembrados com reverência pelo autor. Mas, como Yeats escreveu, e bem, mais um precedente havia sido aberto e, daí, «Uma terrível beleza nasceu». Afinal, a tão desejada independência estaria a uns meros cinco anos de distância.







(Birth of The Irish Republic, de Walter Paget (1865 - 1935))