Pelas margens do Swilly¹, duas crianças em tal diversão:
o rei do seu castelo, a rainha de maio em botão.
Apenas minha irmã e eu num mundo de fantasia,
onde o sol brilhava sempre e nunca findava o dia.
Pelas margens do Swilly, com filhos p'la mão trazidos:
mais um ano terminou, olha como estão tão crescidos.
Assistíamos ao último ocaso, andando de braços enlaçados.
Até ao próximo verão! Mantenha Deus os males afastados.
Se fosse dado a voar, e de quando em vez me despenhasse,
cuidaria ela de mim, faria com que aos céus regressasse.
Pelas margens do Swilly, com uma dor pungente:
assistia ao seu corpo sendo resgatado à corrente.
A sua vida foi roubada, e a razão não compreendia;
mas senti, naquela hora, que uma parte de mim morria.
Phil Coulter (1942) ²
(Versão de Pedro Belo Clara a partir do original.)
(Quando Phil Coulter compôs este tema logo sentiu que a voz de Sinéad O'Connor seria a mais indicada para o interpretar. O seu desejo concretizou-se, e assim conseguiu-se este belíssimo resultado: https://www.youtube.com/watch?v=xltvpZ0EkqM .)
(1) O Swilly é um dos maiores lagos da Irlanda, albergando diversas ilhas pequenas no seu leito. Situa-se entre as penínsulas de Inishowen e de Fanad, no Condado de Donegal, e o seu nome significa, no original, "Lago das Sombras" (Loch Súilí). É um dos três fiordes glaciais do país.
(2) Phil Coulter nasceu em Derry, na Irlanda do Norte, no seio de uma das poucas famílias católicas locais. Actualmente, é considerado dos maiores e mais bem sucedidos músicos e compositores do universo britânico, como a conquista de vinte e três discos de platina - embora maioritariamente de projectos em que colaborou - bem o atesta.
Compôs as suas primeiras canções para nomes tão emblemáticos do panorama musical como Van Morrison, Jerry Lee Lewis e Tom Jones. Em 1967 alcançaria o seu primeiro ponto alto na carreira com a vitória no Festival Eurovisão da Canção. Trata-se do célebre "Puppet On a String", interpretado por Sandie Shaw. No ano seguinte voltaria a participar, tendo sido desta vez Cliff Richards a dar voz ao novo trabalho. Fala-se do também famoso "Congratulations", que por pouco não obteve a vitória nesse ano.
O dito festival teve, de facto, um papel importante na vida de Coulter. Já na década de setenta volta a compor um novo tema que então foi apresentado pelo Luxemburgo, embora a cantora designada fosse irlandesa. Era, nem mais nem menos, que Geraldine Brannigan, a sua futura segunda esposa.
Embora no panorama musical europeu as décadas seguintes lhe trouxessem um notório abrandamento, também marcadas pelo início do lançamento de álbuns em nome próprio, onde convidou diversos artistas a dar voz aos seus temas, do ponto de vista interno, ou seja, no mercado irlandês e britânico, Coulter continuaria a somar sucessos e a aumentar a sua falange de fiéis apreciadores. O hino interpretado pela selecção irlandesa de rugby, que junta jogadores das duas Irlandas, foi mais uma obra bem sucedida - prova da sua popularidade e do reconhecimento de um notório talento.
Apesar de tudo, não se poderá dizer que a sua vida seja uma em que a tragédia se ausenta. Muito pelo contrário, até. O primeiro filho do seu primeiro casamento nasceu com Síndrome de Down, e acabaria por falecer com apenas quatro anos de idade. Para tentar ultrapassar o sucedido, Coulter compõe um tema que seria interpretado pala famosa banda irlandesa The Dubliners, e mais tarde, sendo bem sucedido, muitos mais artistas o gravaram.
Já na década de oitenta assiste ao falecimento de dois dos seus irmãos num espaço de dez meses, e ambos, embora em eventos isolados, no mesmo local: o lago Swilly. Coulter admitiria, mais tarde, que aquele lago era a raiz das mais belas e das mais tristes recordações da sua vida. Afinal, como esta canção que aqui se traduziu indica logo no início, Coulter e os seus três irmãos (a canção pode sugerir apenas dois, mas eram quatro no total) passavam habitualmente férias naquele local, numa casa arrendada junto ao lago, na margem de Inishowen.
O seu irmão Brian morre afogado naquelas águas em 1984, enquanto praticava windsurf. Embora fosse bastante experiente, uma súbita mudança de ventos e corrente arrastou-o para o trágico fim. Ainda para mais, estava-se em pleno inverno, pelo que não havia qualquer barco por perto, o que certaria teria facilitado o resgate e impedido o lamentável desenlace. Em sua memória, Phil compôs "The Star of the Sea" - decidindo depois afastar-se por algum tempo da indústria em que trabalhava.
Já a sua irmã, de nome Cyd, a quem dedica esta canção, faleceu em circunstâncias ainda mais dolorosas. Na tarde do dia em que um dos seus filhos celebrava o seu décimo aniversário, Cyd recebeu uma chamada urgente. Sendo uma assistente social que trabalhava com indivíduos com problemas de adição, tanto álcool como drogas, não poderia rejeitar o apelo. Então, colocou o bolo de aniversário no frigorífico, dizendo que mais logo retomar-se-ia a festa. Infelizmente, a vida pode ser madrasta. Mais tarde, a mesma pessoa que foi auxiliar, estando com planos suicidas em mente, os quais aparentemente Cyd não descortinou, lança a viatura que conduzia, e onde ambos seguiam, para o fundo do referido lago.
Por simples e poucas palavras, Phil Coulter conta a história da sua infância, os reencontros e o trágico incidente, que o próprio assistiu aquando do resgate do carro afundado, onde, de modo macabramente claro, ainda se conseguia visualizar o rosto de sua irmã. O próprio admitiu ter sido uma imagem que o irá acompanhar até ao dia da sua morte.
Em outubro de 2019, contando com uma cintilante carreira de mais de cinquenta anos, Phil lançou um livro de memórias, cujo título bem ilustra como a tragédia permeou a sua existência: "Ferido, Porém Nunca Quebrado".
(Vista parcial do lago Swilly a partir da praia em Buncrana,
o local do cais donde caiu às águas o veículo que leva a irmã de Coulter.)
