quinta-feira, 5 de setembro de 2019

INNISFREE, A ILHA DO LAGO


Erguer-me-ei e de pronto partirei, para Innisfree¹ partirei,
e uma pequena cabana farei, com argila e canas por telhas: 
nove renques de feijão plantarei, uma colmeia terei,
e só viverei no seio do alto rumor das abelhas.

E alguma paz aí terei, pois a paz goteja lentamente,
goteja dos véus da manhã até onde o grilo canta;
a meia-noite é cintilante, o meio-dia púrpura fulgente
e o entardecer cobre-se de asas de pintarroxo, qual manta. 

Erguer-me-ei e de pronto partirei, pois noite e dia
escuto as águas do lago na margem em suave ondulação;
esteja na estrada ou nos passeios de cinza agonia,
escuto o seu murmúrio no mais fundo do coração.





William Butler Yeats (1865 - 1939)









(Versão de Pedro Belo Clara a partir do original publicado em 1890, no jornal britânico The National Observer.)











(1) Innisfree, como o próprio título do poema indica, é uma pequena ilha desabitada que se situa do lago Gill, no condado de Sligo, na Irlanda - onde Yeats passava os verões enquanto jovem. O seu nome em gaélico significa "A Ilha da Urze", o que nos deixa com a pertinente questão: será por isso que o poeta diz que os meios-dias aí são "púrpura fulgente"? 



Nota: O poema foi escrito em 1888 quando Yeats estava em Londres. Passeando-se por uma das suas ruas, perdido em pensamentos e com saudades da sua pátria natal, de súbito o poeta viu-se invadido por uma memória de infância: ao escutar um fio de água que caía da janela duma loja, Yeats recordou o som das águas do já referido lago. Além disso, o próprio admitiria, mais tarde, que por aqueles anos ainda alimentava a esperança de construir uma cabana e viver no bravio isolamento de Innisfree, inspirado pelo exemplo de H. D. Thoreau - aspectos a que o poema faz referência.
O sucesso foi imediato, tornando-se um símbolo do revivalismo celta que Yeats tentou trazer à cultura irlandesa, em contraposição às influências que chegavam de Inglaterra. Em 1928, Muriel Herbert (1897 - 1984) musicou-o - embora não haja actualmente uma grande divulgação do tema. 
Ainda é um dos seus poemas mais conhecidos e apreciados, embora o autor tenha diminuído o seu crédito com o passar dos anos, considerando-o filho dum registo que já abandonara de vez, um pequeno espelho onde deixou de rever o seu coração. 
Hoje em dia, os cidadãos irlandeses têm nos seus passaportes uma transcrição do poema.












(Ao fundo, a bonita ilha de Innisfree)