BRUXAS DISFARÇADAS DE OVELHAS
(Parte II)
De acordo com o seu próprio relato, Hector McLean, de Coll¹, vinha ao anoitecer de Arinagour² para Breachacha³ – uma distância de quatro milhas⁴ pelo que então era, na maior parte do troço, um trilho de montanha.
A meio caminho, em
Airidh-mhic-mharoich, uma ovelha negra correu ao seu encontro e atirou-o ao
chão. A certa altura, como os ataques repetiam-se, Hector conseguiu tirar do
bolso um canivete e com ele ameaçar a ovelha, afirmando que na próxima
investida não hesitaria em usá-lo. Contudo, a ovelha avançou uma e outra vez,
derrubando-o sempre. Numa das ocasiões em que tentava feri-la, o canivete
fechou-se sobre si mesmo, fazendo-lhe um corte profundo entre o indicador e o
polegar.
Ao chegar a uma ampla drenagem de águas a céu
aberto, uma espécie de riacho que corre por debaixo de Breachacha Garden, Hector
teve receio em atravessá-lo, não fosse a ovelha segui-lo e, investindo de novo
sobre si, atirá-lo para aquelas águas. Porém, já conseguia avistar a sua casa,
e com um assobio forte chamou o seu cão. Este veio e atacou ferozmente a
ovelha.
De cada vez que o cão chegava perto
demais, a ovelha tornava-se numa velha mulher, alguém que o Hector reconheceu,
e saltava no ar. Pediu ela que o homem mandasse o seu cão retirar-se, mas o
pedido foi recusado. Insistiu, prometendo desta vez que ficaria sua
amiga para o que desse e viesse. Por fim, Hector chamou o cão, mas este já não
obedeceu. Apanhou-o então pelo pescoço e tentou pará-lo, virando-o para si
mesmo. Prometeu que o seguraria, dando à mulher hipótese de fuga.
A bruxa transformou-se então numa lebre. Já que parecia ser mulher de grande poder, Hector, gritando, disse-lhe que acrescentasse uma perna extra à sua nova forma, para que assim pudesse correr mais depressa. Quando já se encontrava a uma distância considerável, Hector largou o cão, que de pronto a seguiu, e regressou a casa.
O cão só voltou
na tarde seguinte. Perseguira a lebre, obrigando-a a abrigar-se nas
reentrâncias duma rocha, e aí montara a sua guarda – até a fome vencer,
levando-o a regressar. Na primeira vez que o encontrou, a mulher repreendeu
Hector por ter deixado o cão fugir.
Mais tarde, quando foi prestar os seus serviços numa quinta em Arileod⁵, Hector voltou a avistar a tal mulher, de novo na forma de lebre, roubando o leite das vacas directamente do animal. O seu cão, sempre que se apercebia da presença da mulher, começava a persegui-la, obrigando-a a retomar a sua forma original.
Quando deixou a quinta, a mulher não
voltou a ser vista durante dias. Hector foi então à sua procura. Quando a
encontrou, acusou-a de ser a causa dos problemas que tinham ocorrido na
propriedade. A bruxa enfureceu-se, ameaçando puni-lo por levantar falsas
suspeitas. Hector disse-lhe que o proprietário oferecia uma recompensa a quem
descobrisse o responsável pelos maus eventos; e que se todas as mulheres de
Coll fossem reunidas num outeiro, o seu cão malhado a identificaria facilmente –
e assim seria, de pronto, considerada culpada.
Perante isto, a bruxa emudeceu.
Pediu-lhe o homem que fosse à vacaria da propriedade naquela noite, para que as
pessoas não dissessem que foi por sua culpa que o mal se instalara na quinta. A
bruxa desculpou-se dizendo que já era a noite de quarta-feira, e que nada poderia
fazer contra tal coisa, mas que na noite seguinte agiria de acordo com o
combinado, e que Hector ficaria a saber quando tal acontecesse.
Assim, na noite de quinta-feira, a mulher foi à vacaria de Arileod, soltou as vacas e deixou os bezerros entrar, provocando assim o maior prejuízo que lhe foi possível causar.
(Versão de Pedro Belo Clara a partir da edição de Neil Philip em "Scottish Folktales", Peguin Books, 1995.)