segunda-feira, 23 de novembro de 2020

O PODER DO POÇO DE SÃO TEGLA


Na quinta de Amnodd Bwll¹ vivia um agricultor chamado Robert William com a sua mulher, Mari Tomos, e o seu filho, William Robert. 
Quando o rapaz atingiu os doze anos de idade, os pais começaram a ficar muito ansiosos com a sua saúde, pois todos os dias recebiam sinais que pressagiavam a morte prematura do filho: uma das macieiras do jardim havia florido antes do tempo previsto; o velho galo que há anos os acordava pela manhã começou a cantar a meio da noite, pelo que foram obrigados a cortar-lhe a cabeça; Mari Tomos sonhou com um casamento, o que significa que um funeral estaria prestes a acontecer; uma noite, uma ave bateu no vidro do quarto de Robert e Mari, e eles imediatamente pensaram que era o Pássaro da Morte, o pássaro sem penas que bate as asas às janelas da casa que a morte vem visitar. 
Por fim, um dia, Robert William vinha a caminho de casa após a visita a uma feira, em Bala², quando, junto às margens do rio Tryweryn³, viu uma mulher feia e repelente, vestida com um longo vestido preto. O seu rosto era pálido, as maçãs do rosto salientes e os olhos de um negro profundo. Também negros eram os seus dentes, o nariz era pequeno com grandes narinas, e o cabelo cinzento e emaranhado. Com os braços esquálidos chapinhava nas águas do lago, fazendo um barulho estranho. Robert William parou, aterrorizado, mas com mais terror ainda ficou quando a ouvir dizer:
«Meu querido, meu filho, meu filho querido.»
Depois de pronunciar estas palavras, a estranha aparição sumiu-se no ar e Robert William teve a certeza de que tinha acabado de ver a terrível Cyhiraeth⁴, e que o seu grito era o presságio mais que evidente de que o seu filho iria morrer.
Transido de terror, Robert William procurou regressar a casa o mais depressa possível, mas à sua frente avistou uma pequena chama vermelha, a Lanterna da Morte, cujo tamanho é proporcional ao das vítimas cuja morte anuncia. Sendo pequena, pressagiava a morte de uma criança. 
Robert correu para chegar a casa, decidido a procurar ajuda. No dia seguinte, foi ter com um homem sábio que vivia em Trawsfynydd⁵ para saber se havia ainda esperança para o seu filho. O homem sábio disse-lhe que a única solução era levar o rapaz até ao Poço de São Tegla⁶, em Denbigshire⁷, e seguir as suas instruções. 
O pai assim fez e, depois do anoitecer, o rapaz aproximou-se do poço levando um cesto no braço, dentro do qual estava um galo. Primeiro, circundou o poço por três vezes, recitando o Pai-Nosso; depois, aproximou-se da igreja e fez o mesmo. Por fim, entrou na igreja, rastejou para debaixo do altar e aí passou a noite, utilizando a Bíblia por almofada. 
Pela manhã, deixou algumas moedas sobre o altar e o galo dentro da igreja. Se o galo morresse dentro da igreja, o rapaz ficaria são e salvo. 
Pai e filho regressaram a casa, tremendo de ansiedade. Passada uma semana, veio até eles um mensageiro comunicar que a ave tinha morrido e com ela todos os males que ameaçavam a vida de William Robert. O rapaz viveu cheio de saúde até uma idade avançada. 






(Conto extraído de "Os Tylwyth Teg ou O Povo Belo".)










(Tradução de Angélica Varandas in "Mitos e Lendas Celtas do País de Gales", Clássica Editora, 2012.)











(1) Não é propriamente o nome de uma propriedade, mas de uma região. Situa-se no condado de Gwynedd, no norte do País de Gales - onde também se encontra a belíssima península de Llyn. 


(2) Uma cidade na região centro-norte do País de Gales, em tempos idos famosa pelo seu mercado. Situa-se no condado de Merionethshire.


(3) Um rio no norte de Gales, o principal afluente do rio Dee.


(4) Figura mitológica que embora neste conto assuma uma forma humana, se bem que algo decrépita, geralmente aparece como espectro ou somente uma voz incorpórea, que emite um longo lamento sempre que a morte de alguém se aproxima. Será o equivalente à Banshee irlandesa. 


(5) Pequena vila costeira no noroeste do País de Gales, com menos de mil habitantes. Também se situa no condado de Gwynedd.


(6) Existe alguma controvérsia sobre quem será este santo. Existiu, de facto, um santo de nome Tecla, ou melhor, santa, nos primórdios do cristianismo, tendo sido até seguidora do apóstolo Paulo, e muitas vozes confirmam ser ela a cultuada nesse lugar do norte do País de Gales, a pequena vila de Llandegla, onde a dita igreja se situa. Contudo, existiu um culto local a uma virgem galesa de nome Tegla, e uma certa facção de historiadores inclina-se mais para esta hipótese como sendo ela a real origem da igreja e, também, do nome da vila, pois esta em galês significa "Paróquia de Santa Tecla" ou, no caso, "Santa Tegla". Até porque a santa mais famosa era de origem turca e a outra, também virgem, uma jovem local.  
Parece assim haver um erro no nome traduzido neste texto, já que o santo era, afinal, uma santa, fosse turca ou galesa, pouco importa. Como se vê, no texto surge "São Tegla". Mas dado que a tradução não foi da nossa responsabilidade, manteve-se a forma escolhida por quem a assumiu.
Resta acrescentar que a igreja visitada no conto por pai e filho ainda existe, e surge pela primeira vez registada em documentos do século XIII - embora com evidências de ser ainda mais antiga. 

(7) Condado na zona nordeste do País de Gales. 















(A igreja de Sta. Tegla, ou Tecla.
Fotografia de Eirian Evans.)