sábado, 24 de novembro de 2018

OS CISNES SELVAGENS DE COOLE (1)


As árvores ostentam a sua beleza outonal,
Secos estão os trilhos do bosque agreste,
Sob o crepúsculo de outubro as águas
Reflectem a serenidade celeste;
Entre as pedras, sobre águas transbordantes,
Cinquenta e nove cisnes cintilantes.

Dezanove outonos se passaram
Desde que lhes fiz a primeira contagem;
Vi, enquanto terminava a tarefa,
Todos eles aprontar nova viagem,
Dispersando em grandes anéis quebrados
No volteio das asas em clamores ampliados.

Infatigáveis ainda, amante ladeando amante,
Deslizam em graciosidade
Nas frias e fraternas correntes ou erguem-se nos ares;
Seus corações não conheceram a velha idade;
Paixão ou conquista, vagueando ao sabor do desejo,
Ainda têm neles o seu ensejo.

Mas agora deambulam pelas águas serenas,
Belos e misteriosos;
Entre que juncos farão a sua morada,
Junto a que charco ou lago de recantos frondosos
Encantarão o olhar humano, quando um dia despertar
E descobrir eu que para longe acabaram por voar?





William Butler Yeats (1865 - 1939)









(Versão de Pedro Belo Clara a partir do original publicado em The Wild Swans at Coole, de 1919.)









(1) Trata-se de Coole Park, no condado de Galway, na Irlanda, à época a residência de Lady Gregory, uma estimada amiga de Yeats. O poeta vivia nas proximidades, pelo que a sua presença em tão distinta casa era bastante comum. Terá sido, então, numa das suas visitas ou estadia mais longa que este poema nasceu, em 1916 - tendo conhecido a sua versão definitiva três anos depois. 
Coole Park tornou-se a residência dos Gregory em finais do século XVIII, e impressionava pela beleza do edifício e principalmente pela imensa zona de mato selvagem, uma beleza pura e quase primordial. Aquando da morte de Lady Gregory, em 1932, a propriedade passou para a tutela do estado irlandês e, embora a casa já não exista actualmente, ainda hoje se mantém num conhecido e belo parque público. 










(Pôr-do-sol sobre o lago Coole, no parque do mesmo nome.)



segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A RECOMPENSA DAS FADAS


Uma noite, quanto Ianto Llywelyn se preparava para ir para a cama, ouviu um barulho do lado de fora da sua casa. Abriu a janela e perguntou quem era.

Ouviu uma voz límpida e doce que respondeu:

«Queremos um quarto onde possamos vestir os nossos filhos.»

Ianto abriu a porta e viu, com os seus próprios olhos, uma dezena de pequenas criaturas a entrar em sua casa, carregando ao colo bebés minúsculos. Aí fiaram umas horas, lavando e vestindo os bebés e, antes de o galo anunciar a manhã, foram-se embora, deixando a Ianto, como recompensa pela sua generosidade, algumas moedas de ouro.

Depois deste episódio, Ianto passou a acender a lareira todas as noites e a deixar, em cima da mesa, pão, água e leite, tendo ainda o cuidado de tirar da sala tudo o que fosse de ferro, pois as fadas abominam o ferro. E todas as noites as fadas visitavam a sua casa para aí cuidarem dos seus bebés, oferecendo-lhe sempre em troca algumas moedas de ouro.

Ianto deixou de trabalhar e passou a viver apenas com o dinheiro das fadas. Os seus rendimentos eram tão grandes que decidiu casar-se com uma mulher chamada Betsi. Passado pouco tempo após o casamento, esta começou a ficar muito curiosa sobre o modo como o marido arranjava tanto dinheiro. Mas, por muito que lhe perguntasse qual a origem da sua riqueza, Ianto sempre guardou silêncio sobre as visitas das fadas. 

Betsi tornou-se cada vez mais insistente, embora Ianto lhe explicasse que se lhe revelasse o segredo nunca mais ganharia um tostão. Betsi, porém, desconfiada por o marido deixar sempre a lareira acesa e comida na mesa, logo adivinhou que eram as fadas. Desesperado, Ianto confirmou as suspeitas da mulher e saiu de casa para ir afogar a sua inquietação numas canecas de cerveja. Mas quando levou as mãos aos bolsos para pagar, as moedas tinham-se transformado em pequenos pedaços de papel.

Desde esse dia que as fadas nunca mais regressaram a casa de Ianto, pelo que ele teve de voltar a trabalhar e a ganhar dinheiro com o suor do seu rosto.








(Conto extraído de "Os Tylwyth Teg ou Povo Belo".)









(Tradução de Angélica Varandas in "Mitos e Lendas Celtas do País de Gales", Clássica Editora, 2012.)











(Ilustração de Kinuko Y. Craft, 1940 - ... )