quinta-feira, 6 de junho de 2019

O MOÇO DO CABELO ENTRANÇADO


Aquele moço do cabelo entrançado
com quem um dia me atardei um pouco
de olhos luzindo e sorriso nos lábios,
passou por aqui a noite passada
e não se deteve nem me quis ver.
E eu que pensava que não lhe custava
vir até mim, dizer-me palavras
de riso e carinho!
E eu que ansiava por um só beijo
de muita ternura que fosse refresco,
conforto e remédio da febre a ferver!

Se eu fosse donzela de muita riqueza,
pulseiras e jóias de pedras e oiro
e a bolsa cheia de moedas de prata,
há muito teria mandado lavrar
ameno atalho pelo meio do mato,
carreio de flores escondido do mundo,
caminho discreto da minha porta.
Nas noites sem sono a Deus rogaria
que fizesse ouvir o estalido suave
da sua pisada, me desse a saber
o sabor sonhado de um beijo seu
tão aguardado.

E eu que pensava, oh meu amor,
que eras a lua e o brilho da noite,
que eras o sol e a luz do dia!
E eu que pensava, oh minha vida,
que eras a neve na alta montanha,
o fogo do céu enviado por Deus,
a Estrela do Norte diante de mim
guiando meus passos, o rumo apontando!

Apenas disseste palavras sem tino!
Tu prometeste vestir-me de sedas
com ricos lavores,
belos toucados no meu cabelo,
calçar meu pés de finos sapatos
de tacão mui alto.
Tu prometeste perseguir meu corpo
e nadar comigo na ribeira do vale.
Não é o meu jeito, não sou assim
e é minha sina cumprir o destino
de moça mui simples
que passa seus dias, de manhã à noite,
de agulhas na mão sentada à janela
da casa da mãe.






Anónimo. (Canção da tradição oral irlandesa.)









(Tradução de José Domingos Morais in "O Imenso Adeus - Poemas Celtas do Amor", Assírio & Alvim, 2004)














("Waiting (woman at the window)",
de Federico Zandomenegi.)