Há cerca de um século atrás,
vivia em Arran¹ uma velha senhora de nome Marie Nic Junraidh, ou Mary Henderson,
que era consideravelmente baixa, mas bastante inteligente e corajosa.
Numa noite escura, já tarde, regressava ela a casa quando se viu forçada a atravessar uma ponte que tinha fama de estar assombrada por algo terrível, algo que atemorizava os mais fortes e intrépidos homens. Mas como era já de noite e estava muito escuro, a pequena mas corajosa senhora granjeou ânimo para atravessar a ponte.
Quando nela pôs o seu pé, viu uma aparição terrível formar-se à sua frente. Como não iria voltar para trás, dirigiu-lhe palavra; e palavra
foi-lhe de volta dirigida. Então, assumiu uma forma humana esta estranha aparição, uma
forma que Mary logo reconheceu.
– É vossemecê, Finlay? – perguntou.
A aparição disse que sim, que
era Finlay.
Mary afirmou que o havia
conhecido quando era vivo, mas que já estava morto há alguns anos. E a aparição
disse que era tudo verdade, que ele mesmo era Finlay.
– Então, – prosseguiu Mary –
qual o motivo para aparecer assim, diante de uma frágil e pequena mulher,
procurando perturbar-me? Porque não apareceu vossemecê a um homem de coragem, se algo tem a dizer?
– Eu apareci várias vezes
diante de homens bravos – respondeu o espírito –, mas todos eles se assustavam e
punham-se em fuga sem trocar palavra comigo. Fez bem em ficar e falar-me,
pois agora posso dar descanso à minha mente.
«Quando tinha corpo, roubei alguns arados de ferro; e não posso descansar enquanto não forem entregues ao seu legítimo dono. Vá, então, amanhã, sem falta, àquele lugar além, e aí encontrará os ditos arados. E se pegar neles e os deixar à beira do caminho, então terei o meu descanso e não mais perturbarei vivalma.
A pequena mulher ganhou ainda
mais coragem e colocou várias perguntar à aparição, sendo todas elas prontamente
respondidas. Disse-lhe por mais quantos anos viveria, ela, seu esposo e alguns
membros da família. Disse-lhe também como se encontravam vários amigos e
vizinhos seus, já falecidos; e disse-lhe que avisasse um certo vizinho seu, que
grandes perigos corria graças às suas acções mal-intencionadas.
Mary prometeu que
satisfazeria todos os seus pedidos. Então, o espírito desapareceu, permitindo
assim que Mary atravessasse a ponte e chegasse sã e salva à sua casa.
Na manhã seguinte,
deslocou-se ao lugar indicado pelo espírito e descobriu os arados. Pegando
neles, deixou-os na beira da estrada, como prometido, onde o seu antigo dono os
viria a encontrar. No entanto, foi sabido que este não viveu por muito mais
tempo depois de os ter recolhido. Mary fez o aviso ao seu vizinho, que o
aceitou, arrependendo-se assim dos seus pecados. Tanto Mary como o seu esposo
viriam a falecer no exacto ano que fora previsto.
Depois do seu encontro com o espírito, a ponte deixou de estar assombrada durante as noites - e nunca mais estranhas aparições atemorizaram nesse lugar vivalma.
Tradicional (Escócia).
(Nota: Este relato surge originalmente no livro de Cuthbert Bede "The White Wife" ("A Esposa Branca"), onde se refere a sua origem: a fonte do autor da obra, que permaneceu oculta, escutara-a, no início do século XIX, da boca de uma piedosa mulher natural da ilha de Arran, que fora amiga íntima da pequena senhora e do seu esposo. Terá, então, o relato mais de verdade que de fantasia?)
(Versão de Pedro Belo Clara a partir da versão de Neil Philip, publicada em "Scottish Folktales" - Peguin Books, 1995.)
(1) A ilha de Arran situa-se na costa ocidental da Escócia, perto da península de Kintyre.
- Autor desconhecido.)