quarta-feira, 14 de abril de 2021

A APARIÇÃO DE ARRAN

 

Há cerca de um século atrás, vivia em Arran¹ uma velha senhora de nome Marie Nic Junraidh, ou Mary Henderson, que era consideravelmente baixa, mas bastante inteligente e corajosa.

Numa noite escura, já tarde, regressava ela a casa quando se viu forçada a atravessar uma ponte que tinha fama de estar assombrada por algo terrível, algo que atemorizava os mais fortes e intrépidos homens. Mas como era já de noite e estava muito escuro, a pequena mas corajosa senhora granjeou ânimo para atravessar a ponte. 

Quando nela pôs o seu pé, viu uma aparição terrível formar-se à sua frente. Como não iria voltar para trás, dirigiu-lhe palavra; e palavra foi-lhe de volta dirigida. Então, assumiu uma forma humana esta estranha aparição, uma forma que Mary logo reconheceu.

– É vossemecê, Finlay? – perguntou.

A aparição disse que sim, que era Finlay.

Mary afirmou que o havia conhecido quando era vivo, mas que já estava morto há alguns anos. E a aparição disse que era tudo verdade, que ele mesmo era Finlay.

– Então, – prosseguiu Mary – qual o motivo para aparecer assim, diante de uma frágil e pequena mulher, procurando perturbar-me? Porque não apareceu vossemecê a um homem de coragem, se algo tem a dizer?

– Eu apareci várias vezes diante de homens bravos – respondeu o espírito –, mas todos eles se assustavam e punham-se em fuga sem trocar palavra comigo. Fez bem em ficar e falar-me, pois agora posso dar descanso à minha mente.

«Quando tinha corpo, roubei alguns arados de ferro; e não posso descansar enquanto não forem entregues ao seu  legítimo dono. Vá, então, amanhã, sem falta, àquele lugar além, e aí encontrará os ditos arados. E se pegar neles e os deixar à beira do caminho, então terei o meu descanso e não mais perturbarei vivalma.

A pequena mulher ganhou ainda mais coragem e colocou várias perguntar à aparição, sendo todas elas prontamente respondidas. Disse-lhe por mais quantos anos viveria, ela, seu esposo e alguns membros da família. Disse-lhe também como se encontravam vários amigos e vizinhos seus, já falecidos; e disse-lhe que avisasse um certo vizinho seu, que grandes perigos corria graças às suas acções mal-intencionadas.

Mary prometeu que satisfazeria todos os seus pedidos. Então, o espírito desapareceu, permitindo assim que Mary atravessasse a ponte e chegasse sã e salva à sua casa.

Na manhã seguinte, deslocou-se ao lugar indicado pelo espírito e descobriu os arados. Pegando neles, deixou-os na beira da estrada, como prometido, onde o seu antigo dono os viria a encontrar. No entanto, foi sabido que este não viveu por muito mais tempo depois de os ter recolhido. Mary fez o aviso ao seu vizinho, que o aceitou, arrependendo-se assim dos seus pecados. Tanto Mary como o seu esposo viriam a falecer no exacto ano que fora previsto.

Depois do seu encontro com o espírito, a ponte deixou de estar assombrada durante as noites - e nunca mais estranhas aparições atemorizaram nesse lugar vivalma






Tradicional (Escócia).








(Nota: Este relato surge originalmente no livro de Cuthbert Bede "The White Wife" ("A Esposa Branca"), onde se refere a sua origem: a fonte do autor da obra, que permaneceu oculta, escutara-a, no início do século XIX, da boca de uma piedosa mulher natural da ilha de Arran, que fora amiga íntima da pequena senhora e do seu esposo. Terá, então, o relato mais de verdade que de fantasia?)











(Versão de Pedro Belo Clara a partir da versão de Neil Philip, publicada em "Scottish Folktales" - Peguin Books, 1995.)










(1) A ilha de Arran situa-se na costa ocidental da Escócia, perto da península de Kintyre.
















(Vista parcial da ponte sobre o ribeiro Blackwaterfoot, em Arran
- Autor desconhecido.)