segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O CAMINHANTE


A beleza do mundo entristece-me,
Esta beleza que um dia passará;
Por vezes o coração agitava-se em grande alegria
Ao ver um esquilo saltitando numa árvore,
Ou uma rubra joaninha numa haste de erva,
Ou pequenos coelhos num campo ao entardecer,
Incendiado por um sol oblíquo,
Ou uma colina verdejante de sombras errantes,
Uma colina tranquila onde o montanhês houvesse semeado
Para em breve colher; bem perto dos portões do Paraíso;
Ou crianças descalças sobre as areias
Dalgum mar vazando-se, ou brincando nas ruas
Das pequenas vilas de Connacht¹,
Coisas jovens e felizes.
Então o coração confidenciou-me:
Tudo isto passará,
E passando cambiar-se-á, então morrerá para sempre,
Estas coisas luminosas e verdejantes, jovens e felizes;
E assim segui o meu caminho,
Cheio de penas. 




P. H. Pearse (1879 - 1916) ²







(Versão de Pedro Belo Clara a partir do original colectado em "Irish Verse, An Anthology by Bob Blaisdell" - Dover Publications, 2002)








(1) Trata-se de uma das quatro províncias em que a República da Irlanda se subdivide, situada no noroeste do país. Alberga famosas regiões como Galway, Mayo ou Sligo, berços de poetas e alvos de tantas canções de louvor ou de corações partidos. 



(2) Patrick Henry Pearse nasceu em Dublin, Irlanda. Formado em Línguas Modernas, além de ter sido professor, advogado, escritor e activista político, celebrar-se-ia para a posteridade pela sua faceta de revolucionário. Republicano convicto, foi um dos principais líderes da falhada revolução de 1916. 
Apesar de ser filho de um inglês, o seu avô materno, de quem recebeu o nome, revelou em vida tendências revolucionárias, sendo mesmo membro, como o neto viria a ser, da Irmandade Republicana Irlandesa, o movimento que fomentou a referida rebelião.
E desde cedo não escondeu o seu ideal, ele que já idolatrava os maiores heróis que o território conhecera, de Cúchullain a Wolfe Tone. Assim, aos dezasseis anos juntou-se à Liga Gaélica e aos vinte e três era já o editor do jornal a ela anexado, o A Espada de Luz. 
Sempre crítico do sistema educacional da colónia irlandesa, Pearse, pelo seu carácter forte e destemido e visão libertadora, começou por integrar novos grupos revolucionários e a ascender na sua estrutura. Como advogado só defenderia um caso, um que visava a preservação do gaélico junto dos nativos irlandeses, mas por razões obviamente políticas o caso foi perdido.  
Foi Pearse que anunciou a diversas unidades de voluntários o início de manobras militares nas vésperas da revolução e, no seu início, leu a Proclamação da República Irlandesa às portas do quartel-general das forças revoltosas, o monumental posto de correios de Dublin.
Infelizmente, juntamente com outros quinze co-autores, no término do conflito que ajudou a fomentar acabaria fuzilado sob ordem do governo inglês. Após o feito, o povo afecto à rebelião começou por tomar o professor Pearse como a própria encarnação do ideal, dado a participação pública que sem medo assumiu durante aquele breve período. 
Do muito que se estudou sobre a sua vida após a morte precoce, com apenas trinta e seis anos de idade, há quem afirme que Pearse teria Síndrome de Asperger e tendências homossexuais, dado o seu hábito de beijar jovens rapazes. Nada, é claro, que manche o seu nome como um dos rostos da luta independentista irlandesa, existindo actualmente no país diversas ruas com o seu nome, bustos em parques em sua honra e um museu onde outrora se ergueu a escola que frequentou.
Do ponto de vista literário, destacou-se com textos escritos em inglês e gaélico, sendo este poema um dos seus mais divulgados trabalhos. A sua área de criação estendeu-se à poesia, à dramaturgia, ao conto e ao ensaio. 









("A Wayfarer in a Country Lane", 
de Charles Towne (1763 - 1840))