quinta-feira, 16 de maio de 2019

BEDD GELERT


Gelert era o nome do galgo favorito do príncipe Llywelyn¹, que lhe tinha sido oferecido pelo seu padrinho, o próprio rei João de Inglaterra. Gelert era um cão meigo e dócil para o seu dono, mas portava-se como um verdadeiro cão de guarda durante a noite, sendo ainda mais bravo, ágil e corajoso enquanto cão de caça. Llywelyn gostava tanto dele que o deixava comer à sua mesa e dormir aos pés de sua cama.

Numa manhã, o príncipe Llywelyn partiu para a caça e, soprando o seu corno em frente aos portões do castelo, chamou os seus cães. Todos acorreram ao chamamento, excepto Gelert. Llywelyn ficou admirado por o seu mais fiel companheiro não aparecer para o acompanhar na caçada, mas, ainda assim, partiu sem ele para a floresta. 

A caçada não correu muito bem, talvez porque os outros cães não possuíam a energia e a velocidade de Gelert, e Llywelyn regressou a casa, triste e desalentado. 

Assim que chegou aos portões do castelo, Gelert já lá estava para o receber. Porém, todo ele estava coberto de sangue, que pingava também das suas presas. Llywelyn olhou para o cão, francamente espantado. Este acocorou-se e lambeu-lhe as mãos. 

Cada vez mais intrigado, o príncipe entrou em casa, e um pressentimento fê-lo entrar no quarto do seu filho de dois anos. Todo o quarto estava manchado de sangue. O berço do bebé encontrava-se caído no chão, e a manta do berço encharcada em sangue. 

Llywelyn começou a chamar pela criança, mas ninguém lhe respondeu. Cheio de terror, logo concluiu que havia sido Gelert a matar o seu único filho. E então pegou na espada e mergulhou-a no peito do animal, que caiu gemendo a seus pés, sem entender a atitude do dono.

No momento em que Gelert agonizava, ouviu-se um choro de criança. Atrás do berço derrubado estava o filho de Llywelyn, são e salvo, e, junto dele, o cadáver despedaçado de um lobo enorme. Nesse instante, compreendeu que tinha cometido um erro fatal: o seu fiel cão Gelert, que ele tinha acabado de matar, havia lutado, com risco da própria vida, contra aquele lobo feroz para salvar o seu filho. 

O seu desgosto foi enorme. Entre lágrimas, fez erguer uma sepultura ao nobre Gelert num local que ainda hoje se chama Bedd Gelert, A Sepultura de Gelert. ²








(Conto extraído de "Os Tylwyth Teg ou Povo Belo".)












(Tradução de Angélica Varandas in "Mitos e Lendas Celtas do País de Gales", Clássica Editora, 2012.)













(1) Trata-se de Llywelyn, o Grande, que governou o actual País de Gales por mais de quarenta anos, a custo de boas artes diplomáticas e, claro, habilidade bélica. 
O seu nome completo era Llywelyn ap Iorwerth (Llywelyn, filho de Iorwerth), nasceu em 1174 e faleceu a 11 de abril de 1240, e pelo meio revelou-se um dos mais emblemáticos líderes galeses. A sua esposa era Joan, filha ilegítima do Rei João de Inglaterra, com quem terá casado contava ela apenas onze ou doze anos de idade, tendo mais tarde protagonizado diversas histórias de adultério. Era chamada "Senhora de Gales", ao invés de "Princesa."
Três anos antes de morrer, já viúvo, Llywelyn terá sofrido um forte acidente vascular cerebral que o paralisou parcialmente. Mais tarde, entregou o governo ao seu filho e tomou o hábito na abadia cisterciense de Aberconwy, que fundou e onde viria a ser inicialmente enterrado. O seu túmulo ainda é possível de ser visto na igreja de St. Grwst, em Llanrwst. O castelo onde terá nascido e aquele que construiu para viver, o Dolwyddelan, ainda existem actualmente, embora o primeiro já esteja em ruínas. 
Resta acrescentar que pelo teor do conto apresentado, poder-se-ia de boamente colocar a sua produção algures nas primeiras décadas do século XIII, talvez até um pouco depois da morte de Llywelyn, embora só apareça escrito numa antologia da segunda metade do séc. XIX - que o conota como "um conto muito popular". Contudo, pelo facto de existirem diversas versões desta história em várias culturas, como por exemplo a indiana, onde só os animais envolvidos se alteram, e ainda outra mais antiga de origem galesa, considera-se a lenda como sendo uma variação dessas outras, e não uma história com um fundo real. Terá sido usada para justificar o nome da vila, ao invés do seu contrário? (ver nota 2.)


(2) A dita vila, de facto, existe. Situa-se na região noroeste do País de Gales, no condado de Gwynedd. Num local reservado, encontra-se um resumo da história atrás relatada junto de uma grande pedra que, segundo a lenda, serve de monumento fúnebre ao nobre Gelbert.
Apesar da celebridade da lenda, vários historiadores confirmam que a origem do nome da vila estará antes relacionado com um santo católico muito antigo, de seu nome Kilart ou Celert, um santo ermita do séc. VII que naqueles lugares não terá falecido, do que com a lenda do fiel galgo que tantos galeses amam. A apoiar tal premissa está o facto do monumento fúnebre ter sido erguido em finais do séc. XVIII a mando do dono de uma estalagem local, por modo, como se suspeita, a incrementar o turismo na zona - e assim expandir os seus lucros. Se não é pelo cão nem pelo santo que, afinal, morreu martirizado, o verdadeiro Gelert que dá nome à vila permanece um grande mistério.











(Gelert, de Charles B. Barber (1845 - 1894))