A PATA CINZENTA
(É esta, muito
provavelmente, a mais conhecida e popular história nas Terras Altas. Raro é aí haver
uma velha igreja que não seja apontada como o lugar onde o seguinte caso se
deu.)
Na grande
igreja de Beauly¹ ocorriam de noite avistamentos estranhos e escutavam-se sons misteriosos, coisas
não deste mundo, e ninguém que tivesse visitado o pátio da igreja ou o
cemitério adjacente a horas tais regressou para contar a história.
Um alfaiate
destemido propôs-se a resolver o caso, apostando que numa qualquer noite iria
até à igreja assombrada e aí permaneceria durante o tempo que demorasse a
costurar um par de calças.
Não tardou a lançar-se ao caminho e assim a iniciar a tarefa a que se propôs.
A luz da lua
cheia trespassava os vitrais da igreja, e num primeiro momento tudo estava
silencioso. Contudo, à meia-noite, hora morta, uma grande e medonha cabeça
emergiu duma tumba, dizendo:
– Observa a velha vaca cinzenta que
não tem o que comer, alfaiate.
Este respondeu:
– Vejo o que dizes e costuro estas
calças.
Logo notou que, enquanto ele falava, o fantasma
permanecia quieto, mas quando retomava o seu fôlego este parecia aumentar de
tamanho.
Já era agora
visível o pescoço, suportando a cabeça medonha. Então, o fantasma disse:
– Observa a comprida doninha grisalha
que está sem alimento, alfaiate.
O pobre homem continuava o seu
trabalho temerosamente, mas ainda assim respondeu-lhe:
– Eu vejo, meu filho, eu vejo; vejo o
que dizes e costuro agora mesmo estas calças. – disse, arrastando cada
palavra o mais que conseguiu. Por fim, a voz falhou-lhe e não teve alternativa
se não inspirar profundamente.
A aparição
cresceu ainda mais e disse:
– Um comprido braço cinzento que está
sem carne ou alimento, alfaiate.
O alfaiate, que já tremia, não
abandonou o seu trabalho enquanto respondia:
– Eu vejo, meu filho, eu vejo; vejo o
que dizes e costuro agora mesmo estas calças.
Com um novo
fôlego, a coxa da aparição tornou-se visível e, medonha, continuou:
– Uma comprida e torna perna,
alfaiate, que carne não tem.
– Eu vejo, meu filho, eu vejo; vejo o
que dizes e costuro agora mesmo estas calças.
Um longo e descarnado braço esticava-se
já na direcção do alfaiate:
– Uma comprida pata cinzenta sem
sangue ou carne, alfaiate. – dissera a aparição.
Quase a terminar o seu trabalho, o alfaiate respondeu de novo:
– Eu vejo, meu filho, eu vejo; vejo o
que dizes e costuro agora mesmo estas calças.
Continuava o seu labor com um coração
cada vez mais fraco, o alfaiate. Por fim, teve de respirar novamente, e o
fantasma, esticando os seus dedos esguios e ossudos, começando a tactear o ar
diante do pobre homem, disse:
– Uma grande garra cinzenta que está
sem carne para se suster, alfaiate.
Nesse mesmo momento, o corajoso homem
deu o último ponto nas suas calças e, sem hesitar, alimentado pelo pânico,
desatou a correr em direcção da porta. A garra, porém, alcançou-o, e num
movimento os dedos ossudos, empurrando o alfaiate contra o batente da porta,
agarraram apenas a peça que este havia costurado.
O alfaiate estremecera de
cima a baixo, tomado pelo terror, e de tal modo correu a caminho de casa que até
poderia cortar as ervas do caminho com a velocidade do seu passo…
Ainda hoje se diz ser possível observar a marca da mão fantasmagórica na porta da malfadada igreja.
(Narrador anónimo. Editado pela primeira vez por J. G. Campbell em “Witchtcraft and Second Sight in the Highlands and Islands of Scotland”, 1902. )
(Tradução de Pedro Belo Clara a partir da versão editada por Neil Philip em "Scottish Folktales", Peguin Books, 1995.)
"A Haunted Church",
de John Patience.