segunda-feira, 27 de setembro de 2021

ESCÓCIA SOBRENATURAL – Episódio 3

 

       Uma manhã, bem cedo, ia eu a caminho da casa de Allan MacDonald. Seguia o meu rumo e, a dada altura, caminhava junto a um monte de turfa, erguido como se uma parede fosse; do nada, caí ao chão. Não dei grande importância ao caso, mas uns meros segundos depois o mesmo aconteceu. Culpei-me pela falta de atenção nos meus próprios passos; levantei-me e segui caminho – mas logo depois voltei a cair. Olhei em volta e julguei ver a sombra duma mulher ao meu lado. Quando me ergui e voltei a caminhar, senti, ou assim me pareceu, que algo me tocava no ombro, e então caí outra vez. Após o sucedido, decidi que não voltaria a levantar-me; assim, fui de joelhos até à casa onde me dirigia – e a sombra foi no meu encalço, mas não voltou a tocar-me.

      Na noite seguinte, fui ao velório duma velha senhora que havia falecido numa quinta. Perguntaram-me se poderia voltar no dia seguinte e trazer cordas para levar o caixão à terra; e eu fui, levando as cordas no bolso que estava do lado donde insistentemente me empurravam para o chão, naquele estranho dia.

Não possuo outra explicação para este fenómeno se não a seguinte: foi a velha senhora que então falecera que caminhou ao meu lado e tantas vezes, sem explicação aparente, me fez cair.

 


- Alexander Brown, Balefuil. 

(Relato colectado pela primeira vez na obra "Records of Argyll: Legends, Traditions and Recollections of Argyllshire Highlanders", de Archibald Campbell, 1885.)










(Versão de Pedro Belo Clara a partir do compilado na obra de Neil Philip: "Scottish Folktales", Peguin Books, 1995.)















(Autoria: Steve Outram)


sábado, 4 de setembro de 2021

ESCÓCIA SOBRENATURAL – Episódio 2


A PATA CINZENTA


 

(É esta, muito provavelmente, a mais conhecida e popular história nas Terras Altas. Raro é aí haver uma velha igreja que não seja apontada como o lugar onde o seguinte caso se deu.)

 

 

      Na grande igreja de Beauly¹ ocorriam de noite avistamentos estranhos e escutavam-se sons misteriosos, coisas não deste mundo, e ninguém que tivesse visitado o pátio da igreja ou o cemitério adjacente a horas tais regressou para contar a história.

      Um alfaiate destemido propôs-se a resolver o caso, apostando que numa qualquer noite iria até à igreja assombrada e aí permaneceria durante o tempo que demorasse a costurar um par de calças.  

Não tardou a lançar-se ao caminho e assim a iniciar a tarefa a que se propôs.  

        A luz da lua cheia trespassava os vitrais da igreja, e num primeiro momento tudo estava silencioso. Contudo, à meia-noite, hora morta, uma grande e medonha cabeça emergiu duma tumba, dizendo:

 Observa a velha vaca cinzenta que não tem o que comer, alfaiate.

Este respondeu:

 Vejo o que dizes e costuro estas calças.

Logo notou que, enquanto ele falava, o fantasma permanecia quieto, mas quando retomava o seu fôlego este parecia aumentar de tamanho.

     Já era agora visível o pescoço, suportando a cabeça medonha. Então, o fantasma disse:

 Observa a comprida doninha grisalha que está sem alimento, alfaiate.

O pobre homem continuava o seu trabalho temerosamente, mas ainda assim respondeu-lhe:

 Eu vejo, meu filho, eu vejo; vejo o que dizes e costuro agora mesmo estas calças. – disse, arrastando cada palavra o mais que conseguiu. Por fim, a voz falhou-lhe e não teve alternativa se não inspirar profundamente.

            A aparição cresceu ainda mais e disse:

 Um comprido braço cinzento que está sem carne ou alimento, alfaiate.

O alfaiate, que já tremia, não abandonou o seu trabalho enquanto respondia:

 Eu vejo, meu filho, eu vejo; vejo o que dizes e costuro agora mesmo estas calças.

     Com um novo fôlego, a coxa da aparição tornou-se visível e, medonha, continuou:

 Uma comprida e torna perna, alfaiate, que carne não tem.

 Eu vejo, meu filho, eu vejo; vejo o que dizes e costuro agora mesmo estas calças.

Um longo e descarnado braço esticava-se já na direcção do alfaiate:

 Uma comprida pata cinzenta sem sangue ou carne, alfaiate. – dissera a aparição.

Quase a terminar o seu trabalho, o alfaiate respondeu de novo:

 Eu vejo, meu filho, eu vejo; vejo o que dizes e costuro agora mesmo estas calças.

Continuava o seu labor com um coração cada vez mais fraco, o alfaiate. Por fim, teve de respirar novamente, e o fantasma, esticando os seus dedos esguios e ossudos, começando a tactear o ar diante do pobre homem, disse:

 Uma grande garra cinzenta que está sem carne para se suster, alfaiate.

Nesse mesmo momento, o corajoso homem deu o último ponto nas suas calças e, sem hesitar, alimentado pelo pânico, desatou a correr em direcção da porta. A garra, porém, alcançou-o, e num movimento os dedos ossudos, empurrando o alfaiate contra o batente da porta, agarraram apenas a peça que este havia costurado.

O alfaiate estremecera de cima a baixo, tomado pelo terror, e de tal modo correu a caminho de casa que até poderia cortar as ervas do caminho com a velocidade do seu passo… 

Ainda hoje se diz ser possível observar a marca da mão fantasmagórica na porta da malfadada igreja.

 

 

 

 

(Narrador anónimo. Editado pela primeira vez por J. G. Campbell em “Witchtcraft and Second Sight in the Highlands and Islands of Scotland”, 1902. )





(Tradução de Pedro Belo Clara a partir da versão editada por Neil Philip em "Scottish Folktales", Peguin Books,  1995.)







(1) Vila do condado de Inverness, nas Terras Altas escocesas, perto do rio com o mesmo nome.










"A Haunted Church",
de John Patience.