sábado, 27 de maio de 2017

TENRA IDADE, MADURA IDADE


Outrora exibia cabelos loiros, que como anéis
       sobre a minha testa em cacho tombavam;
grisalho e escasso, agora, este meu breve cabelo,
       sem o lustro que muitos lhe achavam.

Prefiro as cintilantes madeixas da juventude,
       ou como de um corvo a negra tonalidade,
que a boa madura idade, senhora de sombrios saberes,
       se o que dizem é realmente verdade.

Apenas sei, ao caminhar pela estrada fora,
       que mulher alguma fixa o olhar em mim;
julgam a cabeça como o coração: frígidos.
       Os meus melhores dias chegaram ao fim.




Anónimo (*)






(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa de Eleanor Hull)




(*) O presente poema encontra-se compilado, sem que nenhuma autoria lhe seja outorgada, no "The Poem-Book of Fionn", uma antologia do séc. XVII que reúne diversos textos oriundos de um período medieval tardio. 
A sua tradução inglesa foi elaborada, como antes se referiu, por Eleanor Hull (1860 - 1935), uma estudiosa da literatura irlandesa medieval, além de escritora e jornalista. Nasceu em Inglaterra e chegou a presidir a conceituada Irish Literary Society, de quem W. B. Yeats, juntamente com outros companheiros seus, foi fundador em finais do século XIX.
Embora seja desconhecida a autoria deste poema, provavelmente composto como canção, decerto muitos dos olhos que por ele se demorarem verão um reflexo dos próprios pensamentos de quem os ostenta, dada a ainda actualidade da preocupação transversal ao texto. Escrito numa quase jovialidade encantadora, revela uma essência deveras simples: nada mais que um lamento sobre a dolorosa passagem do tempo pelo Homem. Mas curioso é o modo de o constatar, focando-se o "eu" apenas na vasta cabeleira que já se dissipou e em como tal facto o afasta do olhar encantador das mulheres. 
Ao contrário de outras culturas, que louvam as benesses da idade madura (conhecimento, sabedoria, experiência) ao virar o foco para o interior humano, aqui tais encantos não são de todo reconhecidos, dado que o foco se fixa no exterior, e esse, claro, não poderá negar o infalível envelhecimento do corpo. Não deixa, contudo, de ser um texto tão humano quanto aquele que o compôs. 






(Autor e nome da peça desconhecidos)



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