segunda-feira, 3 de julho de 2017

A ILHA DE INNISFREE


Conheci uns rapazes
que disseram ser eu um sonhador.
Não tenho dúvida que haja
verdade em suas palavras,
pois decerto alguém está condenado a sonhar
quando tudo o que ama está longe.

São as coisas mais preciosas
sonhos rumo ao exílio;
conduzem-nos até à terra
que está do outro lado do mar,
especialmente quando se é um exilado
da bela e amada ilha de Innisfree.

Quando o luar espreita
do cimo dos telhados
desta grandiosa cidade,
por mais magnífico que seja
mal sinto o seu encanto ou riso:
de novo regresso a casa, em Innisfree.

Caminho por verdes colinas,
atravessando vales de sonho;
e encontro uma paz
que nenhum outro lugar conhece.
Escuto pássaros cantando 
melodias compostas para os anjos,
e observo os rios sorrindo
enquanto fluem. 

Então, até uma humilde cabana me dirijo,
o amado lar de sempre,
e com ternura encaro os rostos
das gentes que estimo.
Em redor da turfa ardendo na lareira,
de joelhos flectidos,
o rosário de suas vidas é contado. 

Mas os sonhos não duram,
embora não sejam esquecidos;
e em breve regresso
à austera realidade.
Mesmo que pavimentassem
estes passeios com oiro em pó,
ainda assim preferiria
a minha ilha de Innisfree.



Dick Farrelly (1916 - 1990) ¹





(Versão de Pedro Belo Clara a partir do original).



(Recomenda-se a belíssima versão apresentada pelo relativamente recente projecto Celtic Woman, que junta à nostalgia do poema a usual suavidade e doçura da voz feminina. Uma receita de sucesso, dir-se-ia -  https://www.youtube.com/watch?v=lh_aO4lT7IU ).





(1) Richard 'Dick' Farrelly foi um poeta e compositor irlandês que igualmente desempenhou funções como... polícia. 
Conta a história que o presente tema, sem dúvida a sua mais famosa produção, foi escrito e musicado durante uma viagem de autocarro desde a sua natal cidade de Kells, no condado de Meath, até Dublin, a capital da República da Irlanda. O tema foi lançado em 1950 e logo captou a atenção do público. Tanto que, dois anos depois, o conceituado realizador John Ford estreia o filme "The Quiet Man" ("O Homem Tranquilo"), com John Wayne e Maureen O'Hara como cabeças de cartaz, em que dá à melodia o estatuto de tema principal, escutado mais de dez vezes ao longo da película. Infelizmente, o seu criador não apareceu creditado na ficha técnica do filme, como lhe seria devido.
Para muitos críticos trata-se de uma das canções mais belas do riquíssimo acervo musical irlandês, e das mais importantes no que toca ao seu teor. De facto, nela o autor reflecte os anseios de todo o emigrante, a saudade sentida por quem está longe da terra que o viu nascer - um assunto que os irlandeses levam muito a peito, dada a história do seu país. O apego à terra e o desejo ardente do regresso fazem, assim, desta canção um instrumento com o qual muitos se poderão identificar. 
Innisfree é uma ilha deserta no norte da Irlanda, mas apesar de ter figurado num poema de Yeats, não é provável que Farrelly se referisse à mesma. Poderia, claro, ter pensado na sua terra natal, da qual partia durante a viagem em que o tema nasceu, mas esta não é uma ilha, pelo que a interpretação mais fiel recai sob a Irlanda em si, disfarçada num nome de interessante conotação. Pois, se "Free" facilmente se traduz em "livre" ou "liberto", "Innis" apresenta uma pronunciação muito próxima sonoramente de "Irish", que significa "irlandês", embora em gaélico "innis" signifique "ilha". Juntando as duas parcelas, talvez o enigma, caso exista, se torne mais claro.
Importa sempre referir que no seu original o poema, de linguagem simples e directa, apresenta uma grande irregularidade em termos de métrica e rima, aparecendo esta somente nos antepenúltimo e último verso de cada estrofe, por modo a rimar quase sempre com o nome da localidade em causa. Por isto, optou-se por retirar nesta versão a hipótese de rima, tornando o texto mais fiel à fluidez que originalmente contém. As estrofes também nem sempre apresentam o mesmo número de versos, e o grosso deste trabalho foi assim dirigido para a tentativa de tornar o texto mais poema do que letra de canção, respeitando sempre os preceitos básicos que se lhe adivinham.
Desde o seu lançamento, dada a fama de que justamente goza, este tema já ganhou vida de muitos modos distintos, através de diversas e competentes vozes, tanto masculinas como femininas, sem nunca expurgar-lhe da nostalgia mágica que exala. "A Ilha de Innisfree" parece, de certo modo, uma bonita utopia, na visão do emigrante que sonha regressar sem nunca o poder, que ganha asas sempre que o primeiro acorde soa no imaginário de cada ouvinte.







(Uma bonita paisagem do condado de Meath, região natal de Farrelly)





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