Distante Rosa, secretíssima e inviolada,
Toma-me na hora para mim destinada,
Onde quem no Santo Sepulcro te procurou,
Ou no tonel de vinho, vive para lá do que o perturbou
E do tumulto dos sonhos derrotados; e no fundo,
Entre pálidas pálpebras pesadas de fecundo
Sono, o Homem nomeou a beleza. Nas tuas folhas o tesouro
De barbas ancestrais, os elmos de rubi e ouro
Dos Magos coroados; e do rei¹ que com seus olhos viu
As Mãos Perfuradas e a Cruz Antiga que subiu
Em druídico vapor, as tochas apagando
Até ao vão delírio por que ele tombou agonizando;
E desse² que encontrou Fand³ por entre orvalho fulgente,
Numa costa sombria onde jamais soprava o vento,
E por um beijo dela perdeu o mundo e Emir⁴;
E desse que fez os deuses saírem da cidadela⁵
E, até despontarem cem rubras auroras, celebrou
E sobre as campas dos seus mortos chorou;
E do rei orgulhoso e sonhador⁶ que recusou o fardo
Da coroa e da mágoa e, chamando bobo e bardo,
Errou na floresta entre viandantes de vinho manchados;
E desse que vendeu a casa e as terras e os arados⁷,
E buscou por ermos e ilhas um tempo infindo
Até enfim encontrar, chorando e rindo,
Uma mulher de porte tão radioso e belo
Que à noite os homens debulhavam milho sobre seu cabelo,
Uma fina trança furtada. Também eu aguardo com ardor
A hora da tua rajada de ódio e amor.
Quando do céu se hão-de as estrelas atear
Como fagulhas de uma forja, e expirar?
Chegou seguramente a tua hora, sopras a forte rajada
Distante Rosa, secretíssima e inviolada?
W. B. Yeats (1865 - 1939)
(Tradução de Margarida Vale de Gato in "Onde Nada Existe", W. B. Yeats, Relógio D'Água Editores, 2000)
(1) Trata-se de uma referência a Conchobar, um rei do Ulaid ou Ulster, um pequeno reino onde hoje existe a Irlanda do Norte, e que terá subsistido entre os séculos V e XII.
É possível que se trate efectivamente de uma personagem real, mas a sua vida é contada no seio de tanta fantasia que a dúvida subsiste. Além disso, os contos sobreviventes que relatam a história deste e outros monarcas, bem como doutros personagens relevantes, pertencem a um capítulo da mitologia irlandesa denominado "O Ciclo de Ulster", pelo que será sempre ténue a fronteira entre realidade e fantasia.
Resta acrescentar que, mais tarde, Yeats admitiu ter cometido um erro no verso em questão. Segundo a história, Conchobar não teve qualquer visão sobre o crucifixo na hora da sua morte, esta fora-lhe antes contada - e então daí resulta o seu estranho falecimento. A história conta-se, é preciso que se diga, numa linha de forte influência cristã. Não obstante, o poema de Yeats permaneceu sem alteração.
(2) "Esse" é somente o maior guerreiro e herói da mitologia irlandesa, no referido capítulo, ainda que tenha uma vida curta: Cúchulainn. É muitas vezes tido como a encarnação de Lugh, deus do sol, da tempestade ou do céu, conforme a interpretação, e que também é o seu próprio pai.
Lembra em alguns aspectos o Hércules grego e o herói persa Rostam, que também acidentalmente mata o filho. A sua fama passou fronteiras e chegou ao folclore escocês e manx (Ilha de Mann).
(3) A esposa do deus do mar, Manannán Mac Lir (Manannám, Filho de Lir).
(4) A esposa do nosso herói Cúchulainn.
(5) Yeats admitiu, um dia, ter criado este verso a partir do que leu sobre Caolte, sobrinho de Fionn Mac Cumhaill (líder dos Fianna, uma tribo de guerreiros semi-independente), mais concretamente na batalha de Gabhra - em que quase todos os seus companheiros foram mortos, o que fez «os deuses saírem da cidadela».
O relato encontra-se escrito num capítulo denominado "Ciclo Feniano".
(6) Trata-se de outro rei do Ulster, Fergus Mac Róigh (Fergus, Filho de Róigh).
Apesar do que o poeta escreve, conta-se que num esquema bastante ardiloso e demorado Fergus vê o trono usurpado por Conchobar, seu enteado. Em resposta à traição, alia-se à sua maior inimiga, a rainha Medb, de Connacht, tornando-se seu amante. Juntos invadem o Ulster, mas sem sucesso.
(7) Yeats, uma vez mais posteriormente à edição deste poema, admite que inventou aquele «que vendeu a casa e as terras e os arados» a partir do conto The Red Pony (O Pónei Vermelho), antologiado num livro de 1893 chamado "Contos Populares do Ocidente Irlandês".
Gosto dessas lendas de um país estranho... histórias fantásticas com enredo belíssimo.
ResponderEliminarA Irlanda possui em termos de folclore um manancial riquíssimo, Lígia. A sua mitologia é muito interessante, embora complexa. E por vezes é somente culpa dos nomes nativos, tão difíceis de pronunciar... (eheh).
ResponderEliminarAgradeço a sua visita. Fico feliz que tenha gostado.
Beijos.