terça-feira, 10 de julho de 2018

A ROSA SECRETA


Distante Rosa, secretíssima e inviolada,
Toma-me na hora para mim destinada,
Onde quem no Santo Sepulcro te procurou,
Ou no tonel de vinho, vive para lá do que o perturbou
E do tumulto dos sonhos derrotados; e no fundo,
Entre pálidas pálpebras pesadas de fecundo
Sono, o Homem nomeou a beleza. Nas tuas folhas o tesouro
De barbas ancestrais, os elmos de rubi e ouro
Dos Magos coroados; e do rei¹ que com seus olhos viu
As Mãos Perfuradas e a Cruz Antiga que subiu
Em druídico vapor, as tochas apagando
Até ao vão delírio por que ele tombou agonizando;
E desse² que encontrou Fand³ por entre orvalho fulgente,
Numa costa sombria onde jamais soprava o vento,
E por um beijo dela perdeu o mundo e Emir⁴;
E desse que fez os deuses saírem da cidadela⁵
E, até despontarem cem rubras auroras, celebrou
E sobre as campas dos seus mortos chorou;
E do rei orgulhoso e sonhador⁶ que recusou o fardo
Da coroa e da mágoa e, chamando bobo e bardo,
Errou na floresta entre viandantes de vinho manchados;
E desse que vendeu a casa e as terras e os arados⁷,
E buscou por ermos e ilhas um tempo infindo
Até enfim encontrar, chorando e rindo,
Uma mulher de porte tão radioso e belo
Que à noite os homens debulhavam milho sobre seu cabelo,
Uma fina trança furtada. Também eu aguardo com ardor
A hora da tua rajada de ódio e amor.
Quando do céu se hão-de as estrelas atear
Como fagulhas de uma forja, e expirar?
Chegou seguramente a tua hora, sopras a forte rajada
Distante Rosa, secretíssima e inviolada?




W. B. Yeats (1865 - 1939)







(Tradução de Margarida Vale de Gato in "Onde Nada Existe", W. B. Yeats, Relógio D'Água Editores, 2000)








(1) Trata-se de uma referência a Conchobar, um rei do Ulaid ou Ulster, um pequeno reino onde hoje existe a Irlanda do Norte, e que terá subsistido entre os séculos V e XII.
É possível que se trate efectivamente de uma personagem real, mas a sua vida é contada no seio de tanta fantasia que a dúvida subsiste. Além disso, os contos sobreviventes que relatam a história deste e outros monarcas, bem como doutros personagens relevantes, pertencem a um capítulo da mitologia irlandesa denominado "O Ciclo de Ulster", pelo que será sempre ténue a fronteira entre realidade e fantasia.
Resta acrescentar que, mais tarde, Yeats admitiu ter cometido um erro no verso em questão. Segundo a história, Conchobar não teve qualquer visão sobre o crucifixo na hora da sua morte, esta fora-lhe antes contada - e então daí resulta o seu estranho falecimento. A história conta-se, é preciso que se diga, numa linha de forte influência cristã. Não obstante, o poema de Yeats permaneceu sem alteração.


(2) "Esse" é somente o maior guerreiro e herói da mitologia irlandesa, no referido capítulo, ainda que tenha uma vida curta: Cúchulainn. É muitas vezes tido como a encarnação de Lugh, deus do sol, da tempestade ou do céu, conforme a interpretação, e que também é o seu próprio pai. 
Lembra em alguns aspectos o Hércules grego e o herói persa Rostam, que também acidentalmente mata o filho. A sua fama passou fronteiras e chegou ao folclore escocês e manx (Ilha de Mann). 


(3) A esposa do deus do mar, Manannán Mac Lir (Manannám, Filho de Lir).


(4) A esposa do nosso herói Cúchulainn. 


(5) Yeats admitiu, um dia, ter criado este verso a partir do que leu sobre Caolte, sobrinho de Fionn Mac Cumhaill (líder dos Fianna, uma tribo de guerreiros semi-independente), mais concretamente na batalha de Gabhra - em que quase todos os seus companheiros foram mortos, o que fez «os deuses saírem da cidadela». 
O relato encontra-se escrito num capítulo denominado "Ciclo Feniano".  


(6) Trata-se de outro rei do Ulster, Fergus Mac Róigh (Fergus, Filho de Róigh).
Apesar do que o poeta escreve, conta-se que num esquema bastante ardiloso e demorado  Fergus vê o trono usurpado por Conchobar, seu enteado. Em resposta à traição, alia-se à sua maior inimiga, a rainha Medb, de Connacht, tornando-se seu amante. Juntos invadem o Ulster, mas sem sucesso. 


(7) Yeats, uma vez mais posteriormente à edição deste poema, admite que inventou aquele «que vendeu a casa e as terras e os arados» a partir do conto The Red Pony (O Pónei Vermelho), antologiado num livro de 1893 chamado "Contos Populares do Ocidente Irlandês".  











2 comentários:

  1. Gosto dessas lendas de um país estranho... histórias fantásticas com enredo belíssimo.

    ResponderEliminar
  2. A Irlanda possui em termos de folclore um manancial riquíssimo, Lígia. A sua mitologia é muito interessante, embora complexa. E por vezes é somente culpa dos nomes nativos, tão difíceis de pronunciar... (eheh).
    Agradeço a sua visita. Fico feliz que tenha gostado.
    Beijos.

    ResponderEliminar