quarta-feira, 12 de abril de 2017

MARY (PARTE I)


Mary, meu doce amor,
minha rainha de anéis no cabelo,
ainda te lembras dos nossos passeios
pisando o orvalho na erva do campo?
Oh bela flor de mais perfume que a macieira,
mais suave graça que a aveleira,
mais rubra cor que as bagas do bosque,
eu nunca esqueci o amor jurado
e agora imploro, triste de mim,
que olhes meus olhos.

Oh meu amor e meu segredo,
vem até mim pela noite escura
quando o mundo recolhido está.
Minhas mãos em tua cintura eu pousarei
e hás-de escutar meus secretos contos
que só a ti eu sei contar.
Foi o teu encanto, menina bela,
que apartou meus olhos
da contemplação 
do Céu Glorioso.



(Autor desconhecido) (*)




(Tradução de José Domingos Morais in "O Imenso Adeus - Poemas Celtas do Amor", Assírio & Alvim, 2004)





(*) Desconhece-se a autoria deste texto, bem como a data da sua produção, provavelmente devido ao facto de tratar-se de uma canção resgatada à rica tradição oral irlandesa. Tanto quanto se sabe, poderá contar com séculos de existência. Perdurou, portanto, graças ao modo de transmissão, reforçando o seu encanto próprio geração após geração, até que por fim alguém se decidiu a registá-lo. Quando isso aconteceu, já há muito se havia perdido o nome que o criara e o ano em que nascera. E quem, com a devida propriedade, poderá afirmar quantas estrofes lhe foram adicionadas entretanto? Destaca-se, porque oportunas, as palavras de Kenneth H. Jackson: «A literatura celta teve o seu início em tempos muito recuados e continuou na Idade Média como divertimento de um sistema social aristocrático, sendo produzida por uma classe profissional de literatos suportados pelos grandes senhores da aristocracia. Mais tarde, à medida que o sistema social se desagregava, foi aquela classe profissional progressivamente substituída por autores cada vez mais próximos das restantes classes, adquirindo a sua produção um cariz obviamente mais popular, (...) quase folclórico».
Tudo o que se sabe a respeito das possíveis origens deste texto é aquilo que em seus versos ainda perdura. Escrito provavelmente por mão masculina, trata-se de um louvor poético nascido de um desejo de busca, como mais tarde se compreenderá, estando dirigido à amada do seu autor, uma bela jovem irlandesa de nome Mary (Maria) - embora não sejam estas pressuposições seguramente exclusivas. O texto, algo longo, daí se ter optado por neste espaço dividi-lo em três publicações, versa em entrelinhas sobre as virtudes físicas e morais da jovem, deixando essencialmente transparecer o ardente desejo que o seu autor sente em reencontrá-la e a imensa inquietação que a distância lhe concede. 
Em qualquer circunstância, dir-se-á seguramente um digno representante de um dos pilares que constitui a orgulhosa tríade temática da poesia celta: Amor, Natureza e Religião. 













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